Fiquei em São Paulo num total de 25 dias acompanhando meu pai em sua intensa e diária luta pela vida.
Ele foi valente, como os médicos disseram um “highlander”, que a cada dia renascia para viver simplesmente o hoje. Seu futuro se tornou o próximo minuto de vida, quando vencia um dia inteiro e acordava num novo dia, era uma conquista comemorada com alegria; pois pelo menos naquele dia em particular, “a vida havia vencido”.
Desde que teve as 3 paradas cardíacas dia 22 de maio, ele ficou praticamente sedado, dormindo, eu passava horas ao seu lado apenas fazendo mantras, orando, pedindo por vida, porque para mim, enquanto o coração bater existirá esperança...
Quinta-feira dia 26 de maio meu pai foi “extubado”, ou seja, foi retirado o tubo de oxigênio e o sedativo; quando cheguei ele estava consciente e falando. Foi o dia mais lindo daquela semana que passei com ele, conversamos bastante, o coloquei para falar ao celular com meu irmão e várias vezes com minha Mãe que estava em nossa pousada na Serra da Bocaina, juntamente com minha esposa Paula. Minha Mãe aos 82 anos de idade é uma pessoa muito forte, com uma vitalidade impressionante, é apaixonada pela Serra da Bocaina onde passou muitas férias durante toda a sua vida desde que era pequenina.
Fiquei até por volta das 20 horas com meu pai e fui para a casa dos meus amigos com o coração radiante, cheio de esperanças!
Cheguei para visitar meu pai no dia 27 muito entusiasmado, mas, embora ele ainda estivesse consciente, não estava tão animado nem com o brilho nos olhos do dia anterior; voltei a ficar triste – foi à primeira vez em todo o período que estava em São Paulo que realmente comecei a imaginar a possibilidade de meu pai não conseguir vencer desta vez...
Sexta-feira, dia 28 de maio, fui visitar meu pai de novo com o coração apertado, ele havia sido entubado novamente porque o coração estava muito fraco e precisava de auxílio para respirar. Fiquei o mais que pude com ele, rezando e meditando; enviando muita energia positiva; no início da noite, meu irmão José Luiz chegou e se juntou a mim nas orações e pedidos.
Foram momentos muito fortes, fiz meditações e orações que mexeram com uma energia tão profunda, num estágio que nunca havia conseguido chegar antes. Num dado momento, senti que meu Guia Espiritual Geshe Kelsang Gyatso estava do meu lado, na cabeceira da cama de meu pai com as duas mãos envolvendo sua cabeça em oração. Foi tão forte que embora estivesse com os olhos fechados, tive a certeza que se eu abrisse os olhos iria ver a cena que estava sentindo em meu coração... Chorei muito nesse momento, pois pensei que se meu Guru estava do meu lado, ou era para ajudar meu Pai a viver, ou era para ajudá-lo em sua passagem pela morte...
Fomos embora do hospital já bem tarde da noite, mas meu coração estava em paz.
Estávamos ainda dormindo na madrugada de domingo quando meu celular tocou. Deixei tocar bastante porque não queria atender; já sabia no meu coração o que iriam me falar; demorei um pouco, mas atendi e ficamos, eu e meu irmão, quietos na cama até o dia amanhecer por completo...
O domingo dia 29 de maio, coincidentemente dia do “Buda Protetor”, em minha tradição Budista, amanheceu lindo, um céu azul anil maravilhoso, embora estivesse um pouco frio, prenunciava um dia quente e muito bonito; mas infelizmente, já nasceu sendo o “pior dia da minha vida” até o presente momento...
O amor é o mais sublime dos sentimentos humanos, não existe nenhuma outra espécie de vida que consegue desenvolver o amor na profundidade, intensidade e totalidade do coração humano. Devemos já nascer gratos pelo simples fato de termos nascido humanos, e nos ser dada a possibilidade de amar tão profundamente.
Mesmo que não tenhamos nada, que sejamos pessoas extremamente simples, a intensidade do amor que podemos desenvolver dentro do nosso coração humano, é muito maior que todo o universo, e muito mais forte que até a própria vida!
É de uma beleza tão profunda que consegue contagiar tudo à sua volta, transformar metal em ouro, é a verdadeira alquimia, acessível a todos os humanos, muito embora nem todos os humanos consigam acessá-la. Por estar escondido dentro de seus próprios corações, o amor só é acessível àqueles que conseguem abrir incondicionalmente o coração para os outros seres e para a vida...
O amor é o combustível que nos mantêm vivos, é a força que nos faz mover montanhas, vencer lutas homéricas, superar obstáculos insuperáveis, nos doar por completo e nos sentir muito mais ricos após essa doação. Não há riqueza maior no universo, que a riqueza do amar; o amor é uma luz muito profunda e forte que você emite incondicionalmente de seu coração, e o ser amado é essa mesma luz que, como se encontrasse espelhos, se reflete no coração das outras pessoas e volta multiplicada para você mesmo, que emitiu seu amor, sua luz...
Essa alquimia é a sublimação do “ser” humano; quem já sentiu e emitiu esse amor, só por isso já se tornou uma pessoa especial, uma pessoa melhor, capaz de dizer sinceramente que vale a pena viver...
Mas para viver essa intensidade profunda do amor, você não pode ter medo de sofrer, nem gerar o apego de querer receber de volta esse amor por toda a sua vida. O amor, como todas as outras coisas da vida humana, infelizmente também não é eterno, assim como a própria vida, um dia ele acaba.
Após a morte do meu pai, meu amor profundo e incondicional por ele se transformou em uma forte dor – a dor do amor.
O primeiro estágio da dor do amor é a “dor insuportável”, que embora seja constante, dura pouco, mas para quem sente, parece ter a duração da eternidade.
Em seguida, vem a “dor profunda” onde ficamos alternando entre momentos de grande emoção e breves momentos onde conseguimos nos concentrar nas outras coisas.
Depois vem a “dor simplesmente”, ainda não é o estágio mais longo e com menos momentos de emoção, é um estágio onde voltamos para a vida normal, e onde pequenos fatos ou objetos nos fazem lembrar o amor e causa dor. Nesse estágio, começa também a “saudade profunda”.
O próximo estágio é a “dor amena”, nesse estágio a dor do amor já se mistura com a “saudade intensa”, de tal forma que não mais conseguimos separá-los. Esse estágio dura um pouco mais, mas o tempo continua aos poucos fazendo modificações.
Por fim, finalmente vem a “dor sutil”, agora totalmente misturada com a “saudade gostosa”.
Para quem amou intensamente e incondicionalmente, esse estágio vai durar o resto da vida...
A vida só terá valido a pena se foi uma vida onde existiu amor.
Uma vida sem amor é uma vida vazia, sem sentido, sem razão de ser.
O amor é importante, o “ser amado” é apenas um detalhe.
Geralmente quando damos amor incondicional e estamos com o coração aberto sem apego ou expectativa, também recebemos de volta amor; pois os corações das pessoas que amamos se transformam em espelhos.
Mas o “receber amor” Jamais deve ser a razão principal de amar, porque assim não funciona; não vai fazer funcionar a magia de transformar o coração da(s) pessoa(s) amada(s) em espelho...
Também não devemos ter medo de amar.
Tudo o que construirmos de material nessa vida, vai ficar aqui quando morrermos.
Se não amarmos o mais que pudermos durante o nosso breve período nesse mundo, vamos estar um dia partindo dele de mãos vazias, com o sentimento de que nossa vida não valeu à pena ter sido vivida...
Por mais ricos que tenhamos sido na vida, partiremos dela em total miséria...
Mesmo que a “dor do amor” seja nosso fardo por termos amado incondicionalmente, mesmo que não recebamos de volta o amor que incondicionalmente tivermos oferecido, mesmo que tenhamos que passar o resto de nossa vida levando uma “saudade gostosa” em nosso coração; pode ter certeza que em nosso último momento nessa vida, é justamente o fato de termos amado intensamente que vai nos trazer conforto; pois teremos certeza que nossa existência não foi em vão, teremos uma forte certeza, que nossa vida valeu à pena...
Para meu Pai,
José Milton Serafim - um homem que amou muito, e foi muito amado.
Mais que um sócio, que um pai, para mim, ele foi meu melhor amigo.