terça-feira, 31 de maio de 2011

A DOR DO AMOR

Fiquei em São Paulo num total de 25 dias acompanhando meu pai em sua intensa e diária luta pela vida.
Ele foi valente, como os médicos disseram um “highlander”, que a cada dia renascia para viver simplesmente o hoje. Seu futuro se tornou o próximo minuto de vida, quando vencia um dia inteiro e acordava num novo dia, era uma conquista comemorada com alegria; pois pelo menos naquele dia em particular, “a vida havia vencido”.
Desde que teve as 3 paradas cardíacas dia 22 de maio, ele ficou praticamente sedado, dormindo, eu passava horas ao seu lado apenas fazendo mantras, orando, pedindo por vida, porque para mim, enquanto o coração bater existirá esperança...
Quinta-feira dia 26 de maio meu pai foi “extubado”, ou seja, foi retirado o tubo de oxigênio e o sedativo; quando cheguei ele estava consciente e falando. Foi o dia mais lindo daquela semana que passei com ele, conversamos bastante, o coloquei para falar ao celular com meu irmão e várias vezes com minha Mãe que estava em nossa pousada na Serra da Bocaina, juntamente com minha esposa Paula. Minha Mãe aos 82 anos de idade é uma pessoa muito forte, com uma vitalidade impressionante, é apaixonada pela Serra da Bocaina onde passou muitas férias durante toda a sua vida desde que era pequenina.
Fiquei até por volta das 20 horas com meu pai e fui para a casa dos meus amigos com o coração radiante, cheio de esperanças!
Cheguei para visitar meu pai no dia 27 muito entusiasmado, mas, embora ele ainda estivesse consciente, não estava tão animado nem com o brilho nos olhos do dia anterior; voltei a ficar triste – foi à primeira vez em todo o período que estava em São Paulo que realmente comecei a imaginar a possibilidade de meu pai não conseguir vencer desta vez...
Sexta-feira, dia 28 de maio, fui visitar meu pai de novo com o coração apertado, ele havia sido entubado novamente porque o coração estava muito fraco e precisava de auxílio para respirar. Fiquei o mais que pude com ele, rezando e meditando; enviando muita energia positiva; no início da noite, meu irmão José Luiz chegou e se juntou a mim nas orações e pedidos.
Foram momentos muito fortes, fiz meditações e orações que mexeram com uma energia tão profunda, num estágio que nunca havia conseguido chegar antes. Num dado momento, senti que meu Guia Espiritual Geshe Kelsang Gyatso estava do meu lado, na cabeceira da cama de meu pai com as duas mãos envolvendo sua cabeça em oração. Foi tão forte que embora estivesse com os olhos fechados, tive a certeza que se eu abrisse os olhos iria ver a cena que estava sentindo em meu coração... Chorei muito nesse momento, pois pensei que se meu Guru estava do meu lado, ou era para ajudar meu Pai a viver, ou era para ajudá-lo em sua passagem pela morte...
Fomos embora do hospital já bem tarde da noite, mas meu coração estava em paz.
Estávamos ainda dormindo na madrugada de domingo quando meu celular tocou. Deixei tocar bastante porque não queria atender; já sabia no meu coração o que iriam me falar; demorei um pouco, mas atendi e ficamos, eu e meu irmão, quietos na cama até o dia amanhecer por completo...
O domingo dia 29 de maio, coincidentemente dia do “Buda Protetor”, em minha tradição Budista, amanheceu lindo, um céu azul anil maravilhoso, embora estivesse um pouco frio, prenunciava um dia quente e muito bonito; mas infelizmente, já nasceu sendo o “pior dia da minha vida” até o presente momento...
O amor é o mais sublime dos sentimentos humanos, não existe nenhuma outra espécie de vida que consegue desenvolver o amor na profundidade, intensidade e totalidade do coração humano. Devemos já nascer gratos pelo simples fato de termos nascido humanos, e nos ser dada a possibilidade de amar tão profundamente.
Mesmo que não tenhamos nada, que sejamos pessoas extremamente simples, a intensidade do amor que podemos desenvolver dentro do nosso coração humano, é muito maior que todo o universo, e muito mais forte que até a própria vida!
É de uma beleza tão profunda que consegue contagiar tudo à sua volta, transformar metal em ouro, é a verdadeira alquimia, acessível a todos os humanos, muito embora nem todos os humanos consigam acessá-la. Por estar escondido dentro de seus próprios corações, o amor só é acessível àqueles que conseguem abrir incondicionalmente o coração para os outros seres e para a vida...
O amor é o combustível que nos mantêm vivos, é a força que nos faz mover montanhas, vencer lutas homéricas, superar obstáculos insuperáveis, nos doar por completo e nos sentir muito mais ricos após essa doação. Não há riqueza maior no universo, que a riqueza do amar; o amor é uma luz muito profunda e forte que você emite incondicionalmente de seu coração, e o ser amado é essa mesma luz que, como se encontrasse espelhos, se reflete no coração das outras pessoas e volta multiplicada para você mesmo, que emitiu seu amor, sua luz...
Essa alquimia é a sublimação do “ser” humano; quem já sentiu e emitiu esse amor, só por isso já se tornou uma pessoa especial, uma pessoa melhor, capaz de dizer sinceramente que vale a pena viver...
Mas para viver essa intensidade profunda do amor, você não pode ter medo de sofrer, nem gerar o apego de querer receber de volta esse amor por toda a sua vida. O amor, como todas as outras coisas da vida humana, infelizmente também não é eterno, assim como a própria vida, um dia ele acaba.
Após a morte do meu pai, meu amor profundo e incondicional por ele se transformou em uma forte dor – a dor do amor.
O primeiro estágio da dor do amor é a “dor insuportável”, que embora seja constante, dura pouco, mas para quem sente, parece ter a duração da eternidade.
Em seguida, vem a “dor profunda” onde ficamos alternando entre momentos de grande emoção e breves momentos onde conseguimos nos concentrar nas outras coisas.
Depois vem a “dor simplesmente”, ainda não é o estágio mais longo e com menos momentos de emoção, é um estágio onde voltamos para a vida normal, e onde pequenos fatos ou objetos nos fazem lembrar o amor e causa dor. Nesse estágio, começa também a “saudade profunda”.
O próximo estágio é a “dor amena”, nesse estágio a dor do amor já se mistura com a “saudade intensa”, de tal forma que não mais conseguimos separá-los. Esse estágio dura um pouco mais, mas o tempo continua aos poucos fazendo modificações.
Por fim, finalmente vem a “dor sutil”, agora totalmente misturada com a “saudade gostosa”.
Para quem amou intensamente e incondicionalmente, esse estágio vai durar o resto da vida...
A vida só terá valido a pena se foi uma vida onde existiu amor.
Uma vida sem amor é uma vida vazia, sem sentido, sem razão de ser.
O amor é importante, o “ser amado” é apenas um detalhe.
Geralmente quando damos amor incondicional e estamos com o coração aberto sem apego ou expectativa, também recebemos de volta amor; pois os corações das pessoas que amamos se transformam em espelhos.
Mas o “receber amor” Jamais deve ser a razão principal de amar, porque assim não funciona; não vai fazer funcionar a magia de transformar o coração da(s) pessoa(s) amada(s) em espelho...
Também não devemos ter medo de amar.
Tudo o que construirmos de material nessa vida, vai ficar aqui quando morrermos.
Se não amarmos o mais que pudermos durante o nosso breve período nesse mundo, vamos estar um dia partindo dele de mãos vazias, com o sentimento de que nossa vida não valeu à pena ter sido vivida...
Por mais ricos que tenhamos sido na vida, partiremos dela em total miséria...
Mesmo que a “dor do amor” seja nosso fardo por termos amado incondicionalmente, mesmo que não recebamos de volta o amor que incondicionalmente tivermos oferecido, mesmo que tenhamos que passar o resto de nossa vida levando uma “saudade gostosa” em nosso coração; pode ter certeza que em nosso último momento nessa vida, é justamente o fato de termos amado intensamente que vai nos trazer conforto; pois teremos certeza que nossa existência não foi em vão, teremos uma forte certeza, que nossa vida valeu à pena...

Para meu Pai,
José Milton Serafim - um homem que amou muito, e foi muito amado.
Mais que um sócio, que um pai, para mim, ele foi meu melhor amigo.

José Milton, São José do Barreiro, 31 de maio de 2011.


domingo, 22 de maio de 2011

PASSAGEIROS NA JORNADA DA VIDA

Estou sentado numa sala de espera do Instituto do Coração em São Paulo, pensando sobre a vida...
Em linhas gerais, tenho minha vida totalmente planejada em detalhes; o que tenho que fazer hoje, meus prazos, o que tenho que fazer amanhã, etc.
Muitas vezes, por motivo de trabalho, meus planos mudam e sou bem flexível nesse ponto, uma vez que meu trabalho é justamente organizar passeios nas folgas das outras pessoas.
Mas, de repente, a vida nos dá um grande solavanco e nos deixa sem chão, mostrando que por mais que tentemos ter controle do nosso presente e futuro, na realidade, não controlamos absolutamente nada!
Começo a questionar o porquê de metas apertadas, trabalho extenuante para atingir objetivos importantes e, até mesmo, a importância destes objetivos; porque a final, todos eles são passos para a conquista da “felicidade”...
Por que trabalhar tanto?
Ganhar dinheiro para “conquistar a felicidade”...
Quem disse que a felicidade pode ser comprada com dinheiro?
O que é a felicidade?
É engraçado como a “felicidade” muda a cada circunstância de nossa vida...
A 20 dias atrás, para mim a felicidade era fechar um grande negócio, receber um grupo grande para algum roteiro de ecoturismo de vários dias na Serra da Bocaina.
Hoje, porém, a felicidade para mim é saúde, vida; é simplesmente o voltar para casa com meu Pai saudável; justamente o que eu já tinha a 20 dias atrás...
A 19 dias atrás, levei meu Pai numa especialista para examinar o sistema respiratório, uma vez que ele sentia-se fraco e dava sinais de uma gripe mal curada. Acabamos descobrindo que ele estava era descompensado, com o coração inchado, acúmulo de líquidos no corpo e o quadro era grave, quadro de internação imediata. Meu Pai já havia sido operado no INCOR, portanto, arrumamos as malas e no dia seguinte, viajamos para São Paulo; era dia 4 de maio.
Meu Pai foi internado imediatamente na Emergência do INCOR e passou a receber uma medicação para combater a descompensação, sendo que seu quadro a cada dia foi ficando mais complicado ao ponto dele ter que ir para a UTI.
Acho que quando ele estava em casa, ele lutava com esse quadro e seu corpo reagia como podia, mas quando se viu dentro do hospital, relaxou um pouco fazendo com que os sintomas realmente ficassem mais evidentes.
Dez dias depois, meu Pai sofreu 3 paradas cardíacas dentro da UTI, sendo que a primeira delas deu muito trabalho à equipe médica para trazê-lo de volta à vida...
Se ele estivesse em São José do Barreiro, certamente não conseguiria sair dessa.
Meu Pai é forte e quer viver, nossa família é muito unida e temos muitos amigos. Tudo isso, aliado à enorme carga de orações de parentes e amigos de várias religiões e é claro, à dedicação, perícia e carinho de toda a equipe do INCOR, mais toda a estrutura e tecnologia que o hospital colocou à sua disposição, fizeram a grande diferença, dando força e energia para que meu pai continue lutando pela vida.
E hoje, cá estou sentado olhando o céu azul de um belíssimo domingo, pela janela da sala de espera do hospital, bem no coração de São Paulo...
Fico imaginando como seria gostoso se nesse mesmo momento, minha família pudesse estar junta e feliz em nossa pousada na Serra da Bocaina; fico imaginando como seria maravilhoso se estivéssemos todos juntos sentados nas redes no gramado em frente ao Recanto da Floresta nesse solzinho da manhã, comendo pinhão e conversando sobre a preciosidade de estar vivo e com saúde...
Para mim hoje, isso é “felicidade”...
Vivemos o nosso hoje, preocupados em “construir o nosso futuro”; empregamos toda a nossa força, vigorosamente trabalhando para que “no futuro” tenhamos qualidade de vida e sejamos “felizes”.
Só que ninguém garante que teremos um futuro!
No processo de construir o futuro ideal, simplesmente podemos morrer e tudo se acaba!
Todo nosso esforço para ser feliz no futuro, com nossa morte, se torna um esforço inútil...
Fico imaginando que tipo de lições podemos tirar nesse momento difícil como o que minha família está passando.
Muitas vezes deixei de andar de bicicleta ou ir numa cachoeira num dia lindo como o de hoje, porque tinha que me dedicar um pouco mais ao trabalho.
E hoje, estou já a quase 20 dias sem nem sequer ter cabeça para trabalhar; passando o dia inteiro sentado na sala de espera do hospital com o coração apertado, rezando, implorando, chorando, meditando, fazendo mantras, para que meu Pai se recupere e consiga sair dessa situação mais uma vez.
Tudo o que a 20 dias era muito importante para mim, simplesmente não é mais tão importante hoje; e o que a 20 dias atrás não tinha prioridade em minha escala de importâncias, se tornou a coisa mais importante do mundo para mim!
Como resolver então essa equação?
Como viver a vida de forma que não passemos a maior parte do tempo sacrificando o hoje em nome de um futuro que talvez nem chegue?
Só tenho pensado nisso nesses 19 dias de São Paulo...
A conclusão que cheguei é que o único jeito, é como Geshe Kelsang Gyatso fala em seus ensinamentos, é controlando o nosso auto-apreço...
Se conseguirmos diminuir um pouco a importância que damos ao nosso “eu”, vamos conseguir viver melhor, sem destruir nossa saúde na eterna luta pela conquista do “melhor”; apenas dessa forma, vamos conseguir relaxar um pouco e descobrir que a felicidade está na simplicidade das coisas, que felicidade é um sentimento e que para desenvolvermos esse “sentimento de felicidade”, precisamos nos encher de “sentimentos bons”, não somente de coisas materiais boas.
Para a conquista das coisas materiais boas, na maioria das vezes, sacrificamos todo o nosso presente e com ele nossa saúde, muitas vezes nos levando à doença ou morte; enquanto que, para conquistarmos “sentimentos bons”, temos que aprender a viver o “aqui e agora”, descobrindo “sentimentos bons” na simplicidade das coisas; descobrindo que o nosso “aqui e agora” nos proporciona milhares de oportunidades para desenvolvermos muitos “sentimentos bons” e que se estivermos atentos, podemos aproveitar todas essas oportunidades para acumular muitos “sentimentos bons” e, desta forma, construir aos poucos a nossa felicidade.
No caminho do INCOR outro dia, encontrei um mendigo pedindo dinheiro para comer, olhei nos olhos dele e dei uma nota de 2 reais; ele sorriu e disse em tom muito profundo: “Que Deus abençoe você”.
Eu quase chorei de emoção porque o que ele me deu em troca foi muito mais do que eu dei a ele...
O sorriso dele e sua benção me encheram de “sentimentos bons” por todo o dia!
Fico imaginando se eu estivesse preocupado com algum trabalho ou reunião importante; talvez nem tivesse notado aquele senhor sentado na calçada.
Numa das tardes visitando meu Pai, aguardava o elevador que chegou lotado, tinha espaço somente para uma pessoa, mas vi uma senhorinha chegando, sai para o lado e dei a vaga para ela. Ela passou por mim sem dizer nada, apenas me olhou nos olhos; mas seu olhar foi tão cheio de bondade e agradecimento, que subi as escadas até o quarto andar sem nem sequer perceber a subida.
Todas as tardes visitando meu Pai, o encontrava dormindo, fazia alguns mantras para ele e tocava de leve sua perna; ele abria os olhos e quando me via, seus olhos brilhavam de satisfação por me ver... Meu coração transbordava de sentimentos bons...
Ás vezes nas visitas me era permitido levar uma caixinha de água de coco que meu Pai adora; quando eu tirava da sacola a caixinha de suco, ele esticava as mãos com uma satisfação tão grande, que era impossível eu não abrir um sorriso de alegria.
Perto da cama de meu Pai, tinha uma menininha toda cheia de aparelhos ligados nela; de vez em quando ela olhava para mim e eu dava uma piscadinha; ela me retribuía com um sorriso tão lindo, que fazia meu coração dar voltas de felicidade...
A conclusão que chego é que, devemos sim trabalhar e conquistar os bens materiais que desejamos, conquistar conforto e uma vida melhor; mas temos que dosar nossos esforços, pois bens materiais sozinhos não trazem felicidade, porque felicidade é um sentimento simples e puro, que vem das coisas simples e puras que nosso “aqui e agora” nos proporciona.
Não é por acaso que nosso “aqui e agora” se chama presente...
Mas temos que estar com o coração aberto para percebermos os “presentes de nosso presente” e nos manter fora dos extremos que tira nossa harmonia e paz. Nem nos tornando escravos de nossas próprias ousadas metas e objetivos, nem “chutando o balde” e nos desligando de tudo; mas buscando um equilíbrio, onde nosso trabalho nos proporcione qualidade de vida sem nos estressar ao ponto de não mais percebermos as grandes oportunidades de nosso dia-a-dia para acumularmos “sentimentos bons”, que combinados com nossa qualidade de vida, simples porém com harmonia, vão nos proporcionar a tão almejada felicidade, não no futuro, mas agora, no momento que estamos vivendo hoje, fazendo com que o nosso “aqui e agora” se torne de fato um grande “presente” a ser desfrutado de forma feliz e duradoura.
Enquanto escrevia, conheci o Paulo, um jornalista de 48 anos de idade, bem sucedido profissionalmente, que se recupera de um infarto muito forte, salvo por um médico de plantão num posto de saúde e pela equipe de profissionais do INCOR. Sua forte fé em Deus e a confiança de sair com saúde o fizeram repensar a maneira de viver a vida; também descobriu que a felicidade está nas coisas simples, como o dia em que conseguiu sentar na privada sem a ajuda de ninguém...
Em suma, devemos no nosso dia-a-dia “estar vivendo no nosso presente”, desenvolvendo nosso trabalho da melhor forma possível, mas sem nos estressar, ficando atentos às oportunidades que a vida nos oferece para acumularmos “sentimentos bons” que nos trarão felicidade imediata sem nos esquecer que o momento de ser feliz é o momento em que estamos vivendo agora, pois independente dos títulos que tenhamos conquistado, somos todos meros “passageiros na jornada da vida” e como nossa vida não tem um “prazo de validade” previamente estabelecido, ninguém pode afirmar que de repente, hoje não seja, o nosso “último dia de viagem”...
José Milton, INCOR, São Paulo, 22 de maio de 2011.